Para dona Ivanilda viver não significa sofrer

Cansada de ser humilhada pelos maridos, a agricultora pernambucana buscou ter vida própria. A sua história reinventada não dispensa autonomia e liberdade.
Verônica Pragana - Asacom
Recife - PE 07/03/2012


Dona Ivanilda, que se diz flor sempre desabrochando, e suas cisternas ao lado de casa | Foto: Fred Jordão/ Arquivo Asacom
“Eu sou como uma flor que não cai as pétalas. Sempre estou desabrochando”. Ivanilda Maria da Silva Torres, 45 anos, três casamentos, quatro filhos e três netos, faz verso e metáfora para dizer quem é. A autoimagem confiante e de estima elevada é o diploma de uma vida que não se rendeu a carregar a cruz do sofrimento fadada às mulheres numa sociedade machista e patriarcal.

Dona Ivanilda pagou um preço muito alto para conquistar direitos básicos e inquestionáveis para quem nasce homem, como o direito de frequentar espaços públicos, por exemplo. Natural da zona rural de um pequeno município do agreste pernambucano, São Caetano, numa região marcada pela pobreza e cujas regras sociais são severas para as mulheres. Para elas cabem somente tarefas familiares e do lar, sem remuneração, nem reconhecimento.

Aos oito anos, depois da morte do pai, migrou com sua mãe e irmãos para São Paulo, onde seu irmão mais velho já estava estabelecido e trabalhava na construção civil. Aos 12, casou-se e pariu a primeira filha, Elaine. Deste casamento, as memórias são de muito sofrimento e humilhação da relação com o marido. Separou-se e voltou a casar com quem achava que seria o amor de sua vida. A história de anulação e falta de liberdade repetiu-se novamente. Do segundo casamento, nasceu Eduarda. E pela segunda vez, Ivanilda se negou a permanecer no sofrimento. Preferiu viver sozinha e encarar a responsabilidade de criar dois filhos.

Da dir. para esq. Dona Ivanilda, seu João, o enteado Rafael (16) e o caçula Joalison (10) | Foto: Fred Jordão/Arquivo Asacom
Novamente solteira, sem ninguém para impedi-la de ir e vir, dona Ivanilda sentiu como era bom fazer o que queria. Foi quando seu João, um senhor alguns anos mais velho que morava numa comunidade vizinha, lhe propôs casamento. Antes de dizer sim ou não, Ivanilda do alto de seus 35 anos, 23 dos quais vividos sob opressão diária, apresentou sua condição: liberdade para se divertir, viajar e trabalhar. Sem isso, nada feito. Ele aceitou as cláusulas do acordo de convivência bem avançadas para a sociedade em que vivem. Estão casados há dez anos mas, segundo ela, é como se fossem recém-casados.

Ao mesmo tempo em que dona Ivanilda fez a sua jornada interna de fortalecimento e reinvenção de sua história, um acontecimento ajudou-a muito neste processo de conquista do seu espaço de mulher na sociedade. Como arrimo de família, a agricultora foi escolhida para receber na frente de sua casa uma cisterna de 16 mil litros. A importância do reservatório é tão grande na vida de Ivanilda que ela a tem como uma mãe que, como diz, “não deixa o filho sofrer mais”. E arremata: “A cisterna me faz mais realizada, me dá mais garra, mais conquistas, mais viagens, me ensinou a ser mais mulher”.

Depois veio a cisterna-calçadão para guardar água para os pés de fruta e para horta, cujos cuidados tradicionalmente cabem, na divisão sexual do trabalho, às mulheres. O quintal produtivo – nome dado à iniciativa de aproveitar o terreno próximo da casa para plantar – na casa de Ivanilda não só é ela quem cuida. Seu João também ajuda. De lá sai uma boa variedade de frutas e hortaliças que enriquecem a refeição da família e diminuem os gastos com compra de alimentos.

Por possuir uma cisterna-calçadão e ter transformado o seu terreno num quintal produtivo, dona Ivanilda conquistou o passaporte para as visitas de intercâmbios a outros agricultores e agricultoras. Os intercâmbios são a possibilidade de viajar, ampliar horizontes, conhecer pessoas novas e faz um grande bem a ela.

A partir do uso da cisterna, dona Ivanilda já não precisa mais caminhar levando “latinha na cabeça” e seu tempo também rende mais para outras atividades que exercitam a criatividade, seu senso estético e ainda geram renda extra. Ela trabalha como bordadeira de roupas femininas sem sair de casa. A estante de sua casa é cheia de potes com todos os tipos de miçangas, ladrilhos, enfeites e linhas coloridas. Quando a tarde começa a se despedir, é hora de se preparar para ir à escola e continuar seus estudos. Hoje, ela cursa a quinta e a sexta séries e em dois anos espera concluir o ensino médio.
Na semana do Dia Internacional das Mulheres, a história de dona Ivanilda é contada como símbolo de uma mulher que reinventou sua história e aproveitou as oportunidades para conquistar independência e viver plenamente.

FONTE: Asa Brasil

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