A ciência de guardar a água

Diário de Pernambuco
Para existir um meio ambiente saudável, é preciso que as pessoas que vivam nele também estejam saudáveis. Não basta só estabelecer um padrão de utilização e consumo sustentáveis dos recursos naturais. É preciso também, e sobretudo, saber distribuir as riquezas extraídas do planeta de forma justa e equilibrada. Por isso a preocupação externada na Rio+20 com o desemprego, o trabalho decente e as migrações, com as cidades sustentáveis e com uso racional das águas e da energia. Temas que serão mostrados nesta segunda parte do caderno, através de experiências bem-sucedidas em Pernambuco que dialogam com outras coletadas por nossos repórteres em várias partes do mundo.


A maior seca dos últimos trinta anos tem preocupado produtores, especialistas e governos, mas não esmoreceu Maria Irene da Silva e Edite Maria da Silva, agricultoras de Tacaimbó, município localizado no Agreste pernambucano, a 170 quilômetros do Recife. Apesar da ausência de chuvas, a pouca água que caiu do céu foi cuidadosamente armazenada por ambas no chão, em cisternas calçadão, e meticulosamente utilizada naquilo que é e sempre foi o sustento das duas famílias: a terra e o gado.

Economizando o que restou das últimas chuvas, de 2011, Maria Irene ainda consegue plantar, colher, consumir e vender coentro, cebolinha e colorau. Só para consumo da família ela tira de sua propriedade galinha, ovos e leite de vaca. No ano passado, produziu pimenta, pimentão, cebolinha, coentro, semente de coentro, chuchu, pinha, feijão, colorau, banana, maracujá, macaxeira, milho e mandioca. “A produção caiu muito, e a gente vende pouquinho, porque não tem sobrado muito do consumo da casa. Mas eu não paro. A água que tem eu aplico na terra”, diz.


Edite Maria, que por causa das secas do passado foi obrigada a migrar, em 1993, para Petrolina, no Sertão do São Francisco, e em 2001 para o interior de São Paulo, também diz não sair mais de sua terra. “Nasci e me criei na agricultura. Criei cinco filhos sozinha. Já peguei na enxada pra muita gente, mas hoje, com essa cisterna, sou a pessoa mais feliz do mundo! Planto e crio na minha terra e já construí três casas pros meus filhos”, comenta.

Edite Maria, ao contrário de Maria Irene, entretanto, decidiu, na estiagem deste ano, dar prioridade aos animais que tem: duas vacas, dois bezerros, três garrotes e 15 galinhas e, consequentemente, se deter na produção de ovos e queijos. “Ano passado foi tanta água na minha cisterna que eu tirei da minha terra trigo, soja, algodão, macaxeira, batata doce, milho, pinha, manga, pitanga, laranja, morando, amora, seriguela, goiaba, banana, mamão e caju”, comenta.

Em Tacaimbó, a Articulação no Semi Árido Brasil (ASA-BR), ONG que desde 2002 vem incentivando e ensinando produtores a desenvolverem técnicas de construção de cisternas, ajudou 19 produtores a construírem uma cisterna calçadão em cada propriedade. A tecnologia é simples. Um calçada murada é construída e feita ligação direta dela para a cisterna, que, assim como a chamada cisterna telhadão, tem capacidade para armazenar 53 mil litros de água. A água das chuvas acumulada nessa calçada murada segue para a cisterna e pode ser usada para consumo humano, animal e para a agricultura.

O agricultor Luiz Rosas, representante da ASA em Tacaimbó, tem ido de propriedade em propriedade incentivar o uso racional da água das cisternas, mas não tem conseguido bom retorno de todos. “Poucos continuam trabalhando na seca, mas eu não desisto, porque esse programa de cisternas é o melhor programa do mundo para o semiárido, porque é organizado pela própria sociedade, sem a interferência de políticos”, enfatiza.

O milagre da multiplicação

Com o Programa Um Milhão de Cisternas (P1MC), a ONG Articulação do Semiárido (ASA) formou e mobilizou nos últimos nove anos cerca de 1,5 milhão de brasileiros para a convivência com a seca, de acordo com dados publicados no site oficial da instituição (http://www.asabrasil.org.br). O principal objetivo foi permitir que essa convivência passasse a ser sustentável e compatível com o ecossistema da região, fortalecendo a sociedade civil e permitindo a mobilização, o envolvimento e a capacitação das pessoas.

O objetivo do P1MC é beneficiar - com água potável para beber e cozinhar - cerca de 5 milhões de pessoas em toda região semiárida, por meio das cisternas de placas. O resultado é a construção de uma infraestrutura descentralizada de abastecimento que tem capacidade para armazenar 16 bilhões de litros de água.

O programa é destinado a famílias com renda até meio salário mínimo (por membro da família), incluídas no Cadastro Único do governo federal, que residam permanentemente na área rural e não tenham acesso ao sistema público de abastecimento de água. Além desses critérios, terão prioridade mulheres chefes de família, famílias com crianças de 0 a 6 anos, crianças e adolescentes frequentando a escola, adultos com idade igual ou superior a 65 anos e portadores de necessidades especiais.
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Fonte: Asa Brasil

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